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quarta-feira, 1 de setembro de 2010 Post By: Lilah

E se fosse com você?



Hoje eu quero pedir a você que faça um exercício comigo. Eu quero que você calce os sapatos de alguém e, pelos poucos minutos que levará para ler esse texto, tente pensar como ele. Dispa-se de qualquer verdade absoluta, deixe suas convicções fora desse contexto e simplesmente tente viajar comigo nessa proposta. Prontos?

Então, imagine que você tem cerca de 14 a 17 anos. Você está naquela fase em que seu corpo manda muito mais que a sua cabeça e que os hormônios comandam qualquer decisão. Imagine-se uma menina ou menino qualquer, com sua turma de amigos, seus pais e família, o cursinho, o jogo de fim de semana e os programas prediletos na TV. Imagine que você começa a descobrir o prazer que seu corpo pode dar e que seus amigos estão todos naquela fase de olhar para o sexo oposto e imaginar os segredos do amor e do sexo.

Agora imagine que você percebeu que você não é como eles. Você não tem os mesmos desejos, nem as mesmas vontades. Você não suspira pelo astro da novela, mas pela mocinha da história...ou você não está interessado naquela modelo famosa, mas sim no jogador de futebol bonitão. E aí você olha em volta....e descobre que não existe um modelo daquilo que você está sentindo. Você olha nas ruas e não se vê. Procura na TV e você não existe. Você lê e o livro não fala da sua vontade. Nas aulas de biologia e educação sexual suas dúvidas e desejos não são sequer, matéria do currículo. Você não existe nos casais que andam de mãos dadas na rua. Nem nos que se beijam no shopping. Você não existe. Seus desejos e vontades não são reconhecidos pelo mundo.

Você agora não pode mais contar com os outros, por que parece que você vive em outro mundo! Um mundo que não existe além das paredes do seu quarto e das noites insones no seu travesseiro. E então você começa a mentir. Primeiro e antes de tudo você mente para você. Pela necessidade enorme de ser igual. E então você mente para os outros, pelo medo do que a verdade poderia roubar de você. E a mentira se torna uma capa, uma máscara que você veste todo dia. E essa capa se torna cada vez mais pesada e dolorosa. Quando você não aguenta, você escapa....mas só por alguns momentos, roubados.

E você se torna cada vez mais um perito nessa mentira. Até o ponto em que você se olha no espelho e se pergunta quem vive ali de verdade. Quem seus amigos e sua família amam de verdade. E você começa a se tornar amargo. Por que não é possível que NINGUÉM enxergue você! Não a máscara, mas o verdadeiro você. E você vive uma contradição enorme: tem medo de ser descoberto, mas tem raiva por que ninguém vê você de verdade. Você QUER ser visto, mas você PRECISA se esconder. E então você se torna amargo.

Mas a amargura nasceu lá atrás. Ela nasceu quando você não foi capaz de dizer a ninguém suas ânsias e desejos. Quando você não se viu em nenhum lugar nessa sociedade que insiste em não lhe enxergar. Quando a escola, a família, os amigos, o governo, a vida negou que os seus desejos e vontades eram tão reais, naturais e bonitos quanto os de qualquer outro adolescente. Ela nasceu da ausência de modelos, da solidão de se achar completamente diferente. Ela nasceu de uma sociedade que insiste em te empurrar para o gueto.

Se você tem sorte e muita coragem, um dia você rompe com a máscara e força a vida a enxergar você. Mas isso normalmente cobra um preço muito alto. E você só tem 17 anos....Imagine....

Se você chegou até aqui nesse exercício, tente continuar comigo...

Eu posso nomear facilmente, pelo menos vinte meninos e meninas que passaram por essa situação. São amigos do meu filho, frequentam minha casa e eu ouvi suas histórias muitas vezes. Isso sem contar os amigos virtuais e os novos amigos que apareceram com essa coluna. TODOS em maior ou menor grau vestem essa mesma capa de amargura. Ela aparece nos momentos mais diversos, as vezes em forma de um humor negro e sarcástico, outras vezes na necessidade de se defender ou na eterna suspeita dos motivos do outro. De tudo isso, na minha pouco experiência, o que mais parece doer para esses meninos e meninas é não ser visto, não ser reconhecido em suas singularidades. O peso de ter que viver uma mentira, muitas vezes incentivado por pais que usam uma máxima americana: “Don't Ask, Don't Tell”. Eu não pergunto, você não me diz. E assim vivemos todos nessa ilusão de realidade. Você fingindo ser o que eu quero e eu fingindo não ver o que você é.

Não finja que não sabe, não empurre seu filho ou filha a viver uma mentira dia após dia, só por que ele ama você demais para lidar com a possibilidade de te perder. Não obrigue seu filho a criar um mundo onde você não entra, não o force a expulsar você do mundo dele por que você nega que ele sequer exista. Não alimente a amargura de não se saber amado por si mesmo, mas por uma imagem projetada e falsa, que ele ou ela coloca em seu rosto toda vez que encontra você.

Ena parceria da semana, leia Contrato Social, por @jockdean em O Liquidificador

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