A gente não ama quem é mais fácil. Nem amamos por que é mais bonito. A gente não ama apenas o perfeito, nem aquele que nunca vai nos machucar. A gente não ama só por que ele tem uma voz linda ou olhos azuis ou sabe falar três idiomas. A gente ama por coisas bem menores.
Amamos por que ele faz o melhor cafuné do mundo. Por que seu sorriso de canto de boca nos deixa de pernas bambas. Amamos por que tem um jeito de dormir embrulhado e roubar cobertas que é só dele. Amamos a risada cheia e ampla, que faz flipflops em nossa barriga. Suas ideias para melhorar o mundo e seu mau humor matutino. O jeito desafinado de cantar as piores músicas do ABBA ou de qualquer outro grupo que você, na verdade odeia. O franzir de testa quando zangado. Amamos até o jeito impaciente de bater pés enquanto nos espera acabar de vestir.
E não amamos por escolha. Por que se fosse uma escolha então só os belos, perfeitos, ricos, inteligentes e não fumantes seriam amados. Não existe uma vacina anti-amor. Podemos nos esconder e negar o sentimento. Podemos escolher não aceitá-lo. Mas nunca podemos evitar que ele nos contamine quando menos esperamos. Podemos fugir dele assustados como patinhos pegos fora da água. E podemos procurá-lo nos lugares mais errados. Mas ele vai permanecer ali. Não importa o quanto corramos.
Amamos por que é preciso. É preciso até a dor às vezes, e as decepções. Para aprender que amamos alguém de carne e osso. Cheio de medos e defeitos como nós. Mas que é perfeito PARA nos. Ainda que imperfeito para qualquer outro.
Pro Beto, 24 anos depois com a certeza que disse sim pra pessoa perfeita.
Trinta e sete anos atrás, o Recreio era pouco mais que um monte de mato e alguma areia, no fim da Pedra do Pontal, zona Oeste do Rio. Meu pai havia acabado de comprar nossa casa e eu era a última das filhas a ingressar na escola. Lembro que eu estava ansiosa pelo primeiro dia de aula, depois de anos vendo minhas irmãs naqueles uniformes que eu achava lindo, irem para escola enquanto eu tinha que ficar em casa.
Minha boa vontade com a escola acabou no primeiro dia. Tínhamos apenas um carro, que meu pai usava para trabalhar e não cabiam cinco meninas. Ônibus era coisa rara no Recreio (ainda é!) e minha mãe achava um desperdício pagar um transporte por 10 minutos que podiam ser feitos a pé. O Colégio ficava perto de casa. Perto para um adulto. Para mim aos 6 anos, aquelas poucas quadras pareciam infinitas. E lá ía minha irmã Luciana, a mais velha dos cinco eles (todas as meninas tem nomes começados por L), arrastando uma Lilah de tranças e cara emburrada.
Eu fazia todas as manhas possíveis e algumas inimagináveis para ser carregada no colo. E algumas vezes eu vencia, só por que do contrário íamos chegar atrasadas e Luciana teria que explicar para minha mãe por que levamos 45 minutos num caminho de 10. Então um dia ela me propôs um jogo. Ela duvidou que eu pudesse correr mais rápido que ela até o primeiro poste depois do portão de casa. Você tem que ser a caçula de cinco, sempre menor, sempre perdendo, para entender a minha necessidade de vencer aquele desafio. E eu corri. E ela me deixou ganhar. E aí eu queria ganhar de novo. E corri até o segundo poste. E dezesseis postes depois eu estava na escola. Suada, esbaforida e despenteada. Mas vencedora.
Eu repetiria isso várias vezes. Mesmo depois que entendi que era só um jogo e já era muito grande para correr de tranças ao vento. Eu nunca pensava no poste número 16. Eu só olhava o primeiro poste depois do portão. E então o próximo depois dele. Naquele primeiro dia que corri, Luciana me ensinou mais que simplesmente andar até a escola sem fazer manha. Ela me deu 16 sensações de vitória. Pequenas vitórias que eu não precisava esperar um tempo infinito em minha mente infantil, mas estavam ali, um poste de distância apenas.
A gente costuma mirar apenas aquela meta final, quase sempre tão distante e inalcançável que quase desistimos antes mesmo de começar: os 20kg a menos, a aposentadoria dali 20 anos, os 3 anos que faltam para juntar dinheiro para um carro novo... Mas os 20kg são perdidos grama a grama, semana a semana. A aposentadoria vem depois de inúmeros (e divertidos) fins de semana e o dinheiro só pode ser guardado, uma moeda de cada vez. Estabeleça metas de curto prazo. Dê a si mesmo várias sensações de vitória: a cada dia, semana ou mês. E quando você perceber, o 16º poste vai estar ali na sua frente, pronto para ser conquistado.
Mulher, professora, escritora no tempo vago. Ativista, protetora, bagunceira, leal, intransigente em meus valores e na defesa do que acredito. Viciada em pipoca, chocolate e literatura.