Capítulo 1 Aqui
Capítulo 2
Sexta-feira, duas semanas depois
Matheus
Duas semanas. Quatorze dias. Trezentas e trinta e seis horas. E ele ainda não tem mau hálito, não virou um ogro egocêntrico, não gritou por causa do trabalho e nem me tratou mal. Em resumo, se ele não tiver chulé e nem roncar eu encontrei o homem perfeito! Ou não...afinal após esse tempo eu continuo sem saber se ele gosta de meninas ou meninos. Nem um comentariozinho para iluminar meu conhecimento.
Ele é educado, bem humorado, cortês. Ele fez piadas para me deixar a vontade nos primeiros dias. Ele me incluiu nas conversas. Ele até me trouxe cafe, mas hei! um homem pode ser simpático sem segundas intenções, não é?
E eu estou enlouquecendo lentamente. Ontem eu tive que aguentar os olhares estranhos de Carlos e Vitor depois que eu passei o jantar inteiro falando de Fábio. Não é como se eu tivesse percebido, só aconteceu. A verdade é que além das 8h que passamos trabalhando juntos eu ainda passo um tempo igual por dia pensando nele. E, como descobri ontem, falando dele também. Carlos achou isso engraçado. Eu acho isso desesperador.
E depois da reunião três dia atrás só me restou rezar para que alguém lá em cima tivesse pena de mim. Você conhece algum padroeiro dos gays desesperados? Não? Nem eu. Mas mesmo assim precisei dele, por que meu chefe decidiu que eu e Fábio devíamos nos dedicar exclusivamente e EM CONJUNTO ao novo projeto. Entenda bem, ele disse EM CONJUNTO. Quer dizer, nós dois. Juntos. Trancados num cubículo de produção e desenhando JUNTOS em cima de uma prancheta. CURVADOS em cima de uma prancheta. É ou não é um caso desesperado que precisa de um padroeiro urgente?
Eu devia estar feliz, afinal meu trabalho está sendo reconhecido, o que significa que apesar dos meus doidos devaneios essas semanas, eu ainda consegui apresentar algo decente. Bom, por que perder o emprego seria péssimo. Mas se era difícil me concentrar com ele sentado nas minhas costas como você acha que eu estou depois de três dias dele debruçado em minha direção??? Se ele ainda tivesse mau hálito...
E é exatamente por estar desesperado que eu resolvi ligar pra Carlos. Não foi o meu movimento mais inteligente. Carlos é um tipo "me ame ou me odeie", acho que ele nunca teve um dia na vida em que ele não dissesse exatamente o que ele está pensando. Você pode pensar que isso é uma qualidade, mas as vezes é um tremendo inconveniente. Como agora, por exemplo.
"É simples, Matheus, só pergunte a ele."
"Claro, muito fácil. Eu ofereço um café e aí simplesmente solto: a propósito você prefere meninos ou meninas?"
Carlos riu.
"Não precisa ser no trabalho, convide ele pra sair. Se ele recusar, você já terá metade da resposta."
"Ninguém nunca pensou em criar um aperto de mão secreto? Um palavra código? Por que ser gay não tem manual ou carteirinha de sócio?"
A conversa não estava me ajudando. Lembra da parte em que eu disse que sou tímido? A possibilidade de eu perguntar a alguém para sair é a mesma da Lady Gaga vestir um tailleur. Isso se eu souber com certeza que ele é gay. Em dúvida? Jamais. E, claro, que o Carlos sabe disso, ele estava só me provocando. Felizmente ele cansou da brincadeira e resolveu que eu merecia um prêmio de consolação.
"Que tal sair conosco hoje a noite? Tem um bar novo e muito amigável. Disseram que o DJ é ótimo."
"Bar gay?"
"Não, bar para alienígenas! Claro que é um bar gay! Onde mais eu poderia arrastar você para dançar?"
"Eu não danço, você sabe disso"
É impossível ganhar uma discussão com Carlos, então eu só deixei a grande Rainha vencer e concordei com ele. O que significa que eu iria para o bar. E muito provavelmente seria arrastado na pista mesmo contra a minha vontade. Bem, se você não pode vencer tente se divertir no caminho.
Algumas horas depois do expediente
Fábio
O que eu posso dizer sobre essas duas semanas? I will survive. Não isso não é um trocadilho infame. É a pura verdade. Eu sobrevivi. E só. Eu comecei a odiar cachinhos. Não, isso não é verdade. Eu comecei a odiar não poder tocar nos cachinhos. Principalmente quando ele se debruça naquela maldita prancheta e os cachinhos resolvem dançar rumba com meu estômago.
Eu descobri que posso tranquilamente trabalhar com apenas meio cérebro, enquanto a outra metade imagina mil maneiras de sequestrar Matheus para algum lugar deserto com uma cama. Esqueça a cama, não é tão importante. Concentre-se em deserto. Também descobri que existem um milhão de coisas frias em que você pode pensar para evitar ter uma ereção e envergonhar a si mesmo: montanhas geladas, o mar da Antártica, a tabuada de logaritmos, mulheres...desculpa, mulheres sempre tiveram esse efeito em mim.
O problema é que eu não consegui descobrir a única coisa que realmente me interesse: em que time o Matheus joga! Eu o vi duas ou três vezes conversando com nossa assistente, Ana. Simpático, bem humorado, mas nada que me fizesse ter certeza que ele a convidaria para sair por exemplo. Eu pensei tê-lo visto prestando atenção demais ao meu traseiro, mas quem garante que isso não é minha super imaginação ativada por um caso furioso de hormônios descontrolados? E hoje eu ouvi ele dizendo a Ana que tinha um compromisso depois do trabalho. Namorada? Ficante? Minha língua coçou para perguntar, mas no fim faltou coragem. A verdade é que eu não quero a certeza que ele é hétero. Onde ficariam minhas fantasias? Aí eu realmente teria que desistir de sonhar.
É por isso que eu aceitei o convite de um amigo para o novo bar gay da cidade. Segundo Paulo é um ótimo lugar pra dançar e ele estava cansado de me ouvir repetir exaustivamente o quanto eu desenvolvi um amor obsessivo por cachinhos. Não que eu estivesse muto no clima pra cruzar a cena gay. Na verdade eu não estava em clima nenhum para isso, mas ficar em casa chocando por causa de um par de olhos azuis era um pouco demais, até mesmo para minha alma trágica.
Eu olhei desisteressado pelo espaço aberto na frente do bar. Era um lugar bom. Nada de corpos suados e dark rooms, mas algumas mesas, um bar bem provido e uma pista de dança. A música era alta, mas nada parecido com as boates ensurdecedoras que normalmente eu iria um ano atrás. E o DJ era realmente bom.
No lado oposto, de costas para nós eu deparei com uma cabeça coberta de cachinhos que caiam livremente pelas costas. Deve ser alguma maldição. Logo abaixo dos cachinhos a calça jeans modelava um traseiro redondo e minúsculo. Eu me xinguei internamente, onde estava minha decisão de não ir mais para homens fortuitos em bares e noites sem sentido? Agora bastava alguns cachos e olhos azuis para esquecer...Olhos azuis? Enormes, redondos e mornos olhos azuis? Não podia ser verdade.
Mas era. Do outro lado do bar, na companhia de dois homens um pouco mais velhos estava Matheus. Meu Matheus. Num bar gay. Hei, Deus, existe mesmo!
"O que foi, Fábio?"
"Matheus"
"Eu pensei que a ideia era sair para ver se você conseguia esquecer um pouco esse tal Matheus."
"Era...mas ele está aqui." Eu apontei discretamente em sua direção.
Paulo sorriu largo.
"Ótimo. Agora vá até lá e tire ele para dançar."
Certo. Era simples não? Um bar gay. Matheus estava aqui. Eu só precisava atravessar a distância e simplesmente convidar ele para dançar. Sim. Eu preferia um tanque cheio de piranhas. Daria menos medo.
"Não posso."
Paulo revirou os olhos, exasperado.
"Por favor! Isso é um bar gay! Quantos homens héteros você conhece que estariam aqui?"
"Ele é novo na cidade, de repente isso é só um engano."
"Bem, nós vamos descobrir logo..."
Sim, nós íamos. Um grande sujeito, com jaqueta de couro e cara de quem acabou de fugir de um encontro de motociclista, estava debruçado em direção ao meu Matheus. Ciúme é um sentimento muito ruim. Mesmo que você não tenha nenhum direito de sentir ele. Para o meu alívio eterno, ele sorriu simpático, mas dispensou o motoqueiro.
"Pronto. Ou ele é gay ou ele realmente não tem nenhum problema em conviver com homens gays. Agora vá até lá e faça alguma coisa."
Eu me sentei no bar, congelado. Faça alguma coisa. Devia ser simples. Mas meu cérebro era um grande nada em branco. O que eu ía falar? O que ele ía pensar?
"Ok, você teve sua chance. Eu estou cansado desse joguinho de gato e rato e mais cansado ainda de ouvir suas lamentações."
"O que você vai fazer?"
Eu conheço Paulo. E quando ele tem aquele olhar é realmente um perigo.
"Observe e aprenda, bebê!"
E enquanto eu continuei grudado ao banco do bar, meu amigo atravessou calmamente em direção a Matheus. Eu descobri que não sofro do coração ou teria tido um ataque cardíaco naquele mesmo momento.