Da Onipotência Materna
Queria voltar para o tempo em que eu podia curar suas dores com sorvete de chocolate. E suas lágrimas só tinham a duração de um joelho ralado. Onde seus sorrisos estavam a um boné novo de distância. Naquele tempo mágico em que mãe sempre sabia um jeito de resolver tudo.
Eu queria ter as respostas que faziam seus olhos brilharem. Mesmo quando tudo que eu tinha a dizer era pura fantasia. Por que vocês conseguiam acreditar. E crendo, vocês esperavam que o mundo sempre fizesse sentido. Eu queria de volta o tempo em que vocês curavam seus medos enrolados no meu colo. E que eu expulsava monstros só acendendo a luz do quarto. A vida era mais simples, não?
Por que vocês precisam crescer? E por que crescer precisa doer tanto? Não bastam as dores dos dentes nascendo? As intermináveis noites em claro com cólica? Não foi meu limite aquela cirurgia de apêndice? Não tem como negociar com esse tal de tempo? Eu preciso explicar para ele que não vale a pena crescer se tem que ser com tanto sofrimento.
Eu queria de volta as preocupações com notas na escola. Os dias de castigo pela vidraça quebrada. Quero reclamar dos armários desarrumados e dos tênis esquecidos na sala. Quero que minha única dúvida seja se tem pudim suficiente para todos e de quantas horas cada um tem de tempo no computador. Não quero pensar em dores que eu não posso curar ou sonhos que eu não posso impedir de serem quebrados.
Eu quero enlouquecer no shopping em busca da camisa perfeita. Mesmo achando todas elas iguais. Só pelo sorriso na hora do lanche. Quero discutir de novo e de novo quem vai na janela do carro. E brigar de novo por que no banco da frente não pode. Quero que toda cara feia e desgosto seja pelos legumes no prato. E que todo desespero na noite seja pela prova do dia seguinte que não se estudou o suficiente.
Quero que os risos venham só com o vento, e o mar, e a correria na praia, caindo juntos em um montinho colorido na areia. Quero que as reclamações sejam só pelo puxão de cabelo ou o último biscoito não dividido. Quero que tudo acabe em pizza, literalmente. E com vocês espalhados no chão, disputando quem come mais.
Mas vocês crescem. E já não existe biscoito ou sorvete que console lágrimas. E nem existe colo que posso garantir sonhos. Já não existem monstros que fujam só com um clic do interruptor e não existe camisa perfeita que cure um coração quebrado. Vocês crescem e a gente perde a onipotência materna. Resta só sentar e torcer. Que todos aqueles anos tenham dado a vocês passos firmes e a certeza de para onde voltar. Por que no fim é só isso que podemos ser. Um lugar pra voltar.
Ai, meu deus, que medo do futuro! eu ainda estou na fase em que posso resolver quase uso, salvá-los de quase todos os males. Que medo do dia em que nã puder mais ser a solução. Gostei, apesar do medinho que me deu!